Em abono da verdade, vale-me o facto de não ter televisão em casa, senão estava desgraçado.
Sim, o escriba não é um gajo normal: não vê televisão em casa.
Ou melhor, como não tem cabo, opta por não ver o (esmagadoramente caracterizado por) lixo dos 4 canais gentilmente disponibilizados em TDT (pera... dantes também tínhamos 4 canais, não era? Ahhh... agora é digital, ok! Assim é muito melhor... Vou então comprar o aparelho..).
Em caso de necessidade entra em acção o leitor de DVD, através do sistema à la carte, que, esse sim, nunca falha!
Assim sendo, as únicas alturas em que ponho os olhos em cima da TV são durante o almoço ou jantar nos tascos, ou uma vez por outra na casa de alguém amigo.
Mais que isso, zero.
O que dá imenso jeito, diga-se em abono da verdade, porque o Europeu está à porta e já não se fala noutra coisa, como se o Mundo (ou a Zona Euro e mais alguns, vá...) se resumisse, durante um mês, a uns pontapés na bola.
É o carro do fulano tal, é a mijinha que sicrano e beltrano tiveram de fazer de supresa para um frasco às tantas da manhã, é o coiso que gosta muito de jogar matraquilhos e o outro que só ouve musica XPTO nuns auscultadores com um tamanho que serviriam a um elefante.
Depois é o que comem, o que bebem, o que fodem (ou não fodem, fodendo só às escondidas...).
É os tios, é os primos, é o vizinho de cima dos tempos em que era gaiato, é o buraco nas meias, o gel no cabelo ou as chuteiras laranja fluorescente tamanho 41.
É as superstições, as manias, os desejos.
É o que ainda não teve tempo para aprender o hino e o que fala "é isso aí, cara".
É o que joga cá, porque sabe que não tem lugar do outro lado do Atlântico e o que joga não se sabe muito bem porquê, até porque ficaram outros melhores de fora.
É o que se benze antes dos jogos e o que entra com o pé direito.
É o que está sempre a contar anedotas e o que está sempre em frente ao PC.
É o que só quer comer e o que gosta de cozinhar.
É o que só prega partidas e o que é muito certinho.
É o que é novo por cá, e o que já é cliente habitual.
É isto, é aquilo, é aqueloutro.
No final, e corra a coisa como correr, vão-se fazer na mesma as malas e regressar a este cantinho na Ibéria e, para os que daqui não saíram, a vida vai continuar como dantes, eventualmente pior.
O desemprego vai continuar a aumentar, um vai querer fomentar a exportação da couve lombarda, outro vai-se enganar mais umas décimas nas contas e o outro, ainda, vai dizer que a coisa está de acordo com as previsões, enquanto a outra irá revelar que teve sempre muita fé e que reza muito para que a coisa corra sempre pelo melhor.
No final, quem se lixa é sempre o mesmo.
Não é o gajo que vai fazer uns joguitos durante um mês numa competição qualquer e que, caso a vença, só em prémios (como se representar a Selecção não fosse prémio suficiente) ganhará tanto como um português "normal" em quase uma vida de trabalho.
Por isso, e pela parte que me toca, façam três joguinhos, arrumem as botas, acabem lá com isso e siga a vidinha normal, que isto não é só futebol nem nos podemos dar ao luxo de termos as nossas atenções desviadas durante um mês enquanto olhamos lá para fora.
É que, parecendo que não, quando voltarmos à realidade corremos o risco de vermos a casa (ainda mais) roubada e em muito piores condições e depois aqui-d´el-rei que estava distraído.
E, até ver, o futebol não põe nem o pão nem a sopa na mesa.
(Nalguns casos pode até por a fruta, mas são muito menos os que mamam à custa da bola e estão-se a marimbar para o povo, do que os que - ainda - gostam disto à séria mas não ganham absolutamente nada com isso).
Nota final: será que este ano também vamos ter as bandeiras feitas nos chinocas penduradas ao contrário nas janelas de Norte a Sul de Portugal?
Espero bem que sim, porque na altura, e pelo que me lembro, aquilo provocou um boom na nossa economia que foi uma coisa nunca antes vista.
Só espero é que as passem a ferro, primeiro.
Parecendo que não, dá um pouco mau aspecto ver uma bandeira pendurada ao contrário e, ainda por cima, cheia de vincas.
Mais cuidado com isso, sim?
Obrigado.